Minuto Glorioso, Ditoso, Inesquecível
Trecho* do livro Há dois mil anos, de Emmanuel, na sua primeira parte,
no capítulo V, que narra o encontro de Publius Lentulus com Jesus.
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Das
águas mansas do lago de Genesaré parecia-lhe emanarem suavíssimos perfumes,
casando-se deliciosamente ao aroma agreste da folhagem.
Foi
neste instante que, com o espírito como se estivesse sob o império de estranho e suave magnetismo, ouviu passos brandos
de alguém que buscava aquele sítio.
Diante
de seus olhos ansiosos, estacara personalidade inconfundível e única. Tratava-se
de um homem ainda moço, que deixava transparecer nos olhos, profundamente
misericordiosos, uma beleza suave e indefinível. Longos e sedosos cabelos
molduravam-lhe o semblante compassivo, como se fossem fios castanhos, levemente
dourados por luz desconhecida. Sorriso divino, revelando ao mesmo tempo bondade
imensa e singular energia, irradiava da sua melancólica e majestosa figura uma
fascinação irresistível.
Publius
Lentulus não teve dificuldade em identificar aquela criatura impressionante, mas no seu coração marulhavam ondas
de sentimentos que, até então, lhe eram ignorados. Nem a sua apresentação a
Tibério, nas magnificências de Capri, lhe havia imprimido tal emotividade ao
coração. Lágrimas ardentes rolaram-lhe dos olhos, que raras vezes haviam
chorado, e força misteriosa e invencível
fê-lo ajoelhar-se na relva lavada em luar. Desejou falar, mas tinha o peito
sufocado e oprimido. Foi quando, então, num
gesto de doce e soberana bondade, o meigo Nazareno caminhou para ele, qual
visão concretizada de um dos deuses de suas antigas crenças, e, pousando carinhosamente a destra em sua
fronte, exclamou em linguagem encantadora, que Publius entendeu
perfeitamente, como se ouvisse o idioma patrício, dando-lhe a inesquecível impressão de que a palavra
era de espírito para espírito, de coração para coração:
-
Senador, por que me procuras? – e,
espraiando o olhar profundo na paisagem, como se desejasse que a sua voz fosse
ouvida por todos os homens do planeta, rematou com serena nobreza – Fora melhor que me procurasses publicamente
e na hora mais clara do dia, para que pudesses adquirir, de uma só vez e para
toda a vida, a lição sublime da fé e da humildade... Mas Eu não vim ao mundo
para derrogar as leis supremas da Natureza e venho ao encontro do teu coração
desfalecido!...
Publius Lentulus nada pôde exprimir, além das suas lágrimas copiosas,
pensando amargamente na filhinha, mas o Profeta, como se prescindisse das suas
palavras articuladas, continuou...
-
Sim... não venho buscar o homem de
Estado, superficial e orgulhoso, que só os séculos de sofrimento podem
encaminhar ao regaço de meu Pai; venho atender as súplicas de um coração
desditoso e oprimido e, ainda assim, meu amigo, não é o teu sentimento que
salva a filhinha leprosa e desvalida pela ciência do mundo, porque tens ainda a
razão egoística e humana; é sim, a fé e o amor de tua mulher, porque a fé é divina... Basta um raio só de
suas energias poderosas para que se pulverizem todos os monumentos das vaidades
da Terra...
Comovido
e magnetizado, o senador considerou, intimamente, que seu espírito pairava numa
atmosfera de sonho, tais as comoções desconhecidas e imprevistas que se lhe
represavam no coração, querendo crer que os seus sentidos reais se achavam
travados num jogo incompreensível de completa ilusão.
-
Não, meu amigo, não estás sonhando...
– exclamou meigo e enérgico o Mestre, adivinhando-lhe os pensamentos. – Depois de longos anos de desvio do bom
caminho, pelo sendal dos erros clamorosos, encontras, hoje, um ponto de
referencia para a regeneração de toda a tua vida.
“Está,
porém, no teu querer o aproveitá-lo agora, ou daqui a alguns milênios... Se o
desdobramento da vida humana está subordinado às circunstâncias, és obrigado a
considerar que elas existem de toda a natureza, cumprindo às criaturas a
obrigação de exercitar o poder da vontade e do sentimento, buscando aproximar
seus destinos das correntes do bem e do
amor aos semelhantes.
“Soa
para teu espírito, neste momento, UM MINUTO GLORIOSO, se conseguires utilizar
tua liberdade para que seja ele, em teu coração, doravante,um cântico de amor,
de humildade e de fé, na hora indeterminável da redenção, dentro da
eternidade...
“Mas
ninguém poderá agir contra a tua própria consciência, se quiseres desprezar
indefinidamente este MINUTO DITOSO!
“Pastor das almas humanas, desde a formação
deste planeta, há muitos milênios venho procurando reunir as ovelhas
tresmalhadas, tentando trazer-lhes ao coração as alegrias eternas do reinado de
Deus e de sua justiça!...”
Publius
fitou aquele homem extraordinário, cujo
desassombro provocava admiração e espanto.
Humildade? Que credenciais lhe apresentava
o Profeta para lhe falar assim, a ele senador do Império, revestido de todos os
poderes diante de um vassalo?
Num
minuto, lembrou a cidade dos césares, coberta de triunfos e glórias, cujos
monumentos e poderes acreditava, naquele momento, fossem imortais.
-
Todos os poderes do teu império são bem
fracos e todas as suas riquezas bem miseráveis...
“As
magnificências dos césares são ilusões efêmeras de um dia, porque todos os
sábios, como todos os guerreiros, são chamado no momento oportuno aos tribunais
da justiça de meu Pai que está no Céu. Um dia, deixarão de existir as suas
águias poderosas, sob um punhado de cinzas misérrimas. Suas ciências se
transformarão ao sopro dos esforços, de outros trabalhadores mais dignos do
progresso, suas leis iníquas serão tragadas no abismo tenebroso desses séculos
de impiedade, porque só uma lei existe e sobreviverá aos escombros da
inquietação do homem – a lei do amor, instituída por meu Pai, desde o princípio
da Criação...
“Agora,
volta ao lar, consciente das responsabilidades do teu destino...
“Se
a fé instituiu na tua casa o que consideras a alegria com o restabelecimento de
tua filha, não te esqueças que isso representa um agravo de deveres para o teu
coração, diante de nosso Pai Todo-Poderoso!...”
O senador quis falar, mas a voz tornara-se-lhe embargada de comoção e de
profundos sentimentos.
Desejou
retirar-se, porém, nesse momento, notou
que o Profeta de Nazaré se transfigurava, de olhos fitos no céu...
Aquele sítio deveria ser um santuário de
suas meditações e de suas preces, no coração perfumado da Natureza, porque
Publius adivinhou que Ele orava intensamente, observando que lágrimas copiosas
lhe lavavam o rosto, banhado então por uma claridade branda e misericordiosa,
evidenciando a sua beleza serena e indefinível melancolia...
Nesse instante, contudo, suave torpor paralisou as faculdades de
observação do patrício, que se aquietou estarrecido.
Deviam
ser 21 horas, quando o senador sentiu que despertava.
Leve
aragem acariciava-lhe os cabelos e a Lua entornava seus raios argênteos no
espelho carinhoso e imenso das águas.
Guardando
na memória os mínimos pormenores daquele MINUTO INESQUECÍVEL, Publius sentiu-se
humilhado e diminuído, em face da fraqueza de que dera testemunho diante daquele homem extraordinário.
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... )
*= grifos nossos
Fonte:
Há dois mil anos: episódios da história do cristianismo no século I:
romance / pelo Espírito Emmanuel; [psicografado por] Francisco Cândido Xavier.
– 49 ed. – 11 imp. – Brasília; FEB, 2017. 349 p.