Nota
Explicativa1
1 Nota da Editora: Esta “Nota
Explicativa”, publicada em face de acordo com o Ministério Público Federal, tem
por objetivo demonstrar a ausência de qualquer discriminação ou preconceito em
alguns trechos das obras de Allan Kardec, caracterizadas, todas, pela
sustentação dos princípios de fraternidade e solidariedade cristãs, contidos na
Doutrina Espírita.
Hoje crêem e sua fé é
inabalável, porque assentada na evidência e na demonstração, e porque satisfaz
à razão. [...] Tal é a fé dos espíritas, e a prova de sua força é que se
esforçam por se tornarem melhores,
domarem suas inclinações
más e porem em prática as máximas do Cristo, olhando todos os homens como
irmãos, sem acepção deraças, de castas, nem de seitas, perdoando aos seus
inimigos, retribuindo o mal com o bem, a exemplo do divino modelo.”
(KARDEC, Allan. Revista
Espírita de 1868.1. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. p. 28, janeiro de 1868.)
A
investigação rigorosamente racional e científica de fatos que revelavam a
comunicação dos homens com os Espíritos, realizada por Allan Kardec, resultou
na estruturação da Doutrina Espírita, sistematizada sob os aspectos científico,
filosófico e religioso.
A partir
de 1854 até seu falecimento, em 1869, seu trabalho foi constituído de cinco
obras básicas: O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865), A Gênese (1868), além da obra O Que é o Espiritismo
(1859), de uma série de opúsculos e 136 edições da Revista Espírita (de janeiro de 1858 a
abril de 1869). Após sua morte, foi editado o livro Obras Póstumas (1890).
O
estudo meticuloso e isento dessas obras permite-nos extrair conclusões básicas:
a)
todos os seres humanos são Espíritos imortais criados por Deus em igualdade de
condições, sujeitos às mesmas leis naturais de progresso que levam todos,
gradativamente, à perfeição;
b) o
progresso ocorre através de sucessivas experiências, em inúmeras reencarnações,
vivenciando necessariamente todos os segmentos sociais, única forma de o
Espírito acumular o aprendizado necessário ao seu desenvolvimento;
c)
no período entre as reencarnações o Espírito permanece no Mundo Espiritual, podendo comunicar-se com os
homens;
d) o
progresso obedece às leis morais ensinadas vivenciadas por Jesus, nosso guia e
modelo, referência para todos os homens que desejam desenvolver-se de forma consciente
e voluntária.
Em
diversos pontos de sua obra, o Codificador se refere aos Espíritos encarnados
em tribos incultas e selvagens, então existentes em algumas regiões do Planeta,
e que, em contato com outros pólos de civilização, vinham sofrendo inúmeras
transformações, muitas com evidente benefício para os seus membros, decorrentes
do progresso geral ao qual estão sujeitas todas as etnias, independentemente da
coloração de sua pele.
Na
época de Allan Kardec, as idéias frenológicas de Gall, e as da fisiognomonia de
Lavater, eram aceitas por eminentes homens de Ciência, assim como provocou
enorme agitação nos meios de comunicação e junto à intelectualidade e à
população em geral, a publicação, em 1859 – dois anos depois do lançamento de O Livro dos Espíritos – do livro
sobre a Evolução das Espécies, de
Charles Darwin, com as naturais incorreções e incompreensões que toda ciência
nova apresenta. Ademais, a crença de que os traços da fisionomia revelam o
caráter da pessoa é muito antiga, pretendendo-se haver aparentes relações entre
o físico e o aspecto moral.
O Codificador
não concordava com diversos aspectos apresentados por essas assim chamadas
ciências. Desse modo, procurou avaliar as conclusões desses eminentes
pesquisadores à luz da revelação dos Espíritos, trazendo ao debate o elemento espiritual
como fator decisivo no equacionamento das questões da
diversidade
e desigualdade humanas.
Allan
Kardec encontrou, nos princípios da Doutrina Espírita, explicações que apontam para
leis sábias e supremas, razão pela qual afirmou que o Espiritismo permite “resolver os milhares de problemas
históricos, arqueológicos, antropológicos, teológicos, psicológicos, morais,
sociais, etc.” (Revista Espírita, 1862, p. 401).
De
fato, as leis universais do amor, da caridade, da imortalidade da alma, da
reencarnação, da evolução constituem novos parâmetros para a compreensão do
desenvolvimento dos grupos humanos, nas diversas regiões do Orbe.
Essa
compreensão das Leis Divinas permite a Allan Kardec afirmar
que:
O
corpo deriva do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito. Entre os
descendentes das raças apenas há consangüinidade.”
(O Livro dos Espíritos, item 207,
p. 176.)
[...]
o Espiritismo, restituindo ao Espírito o seu verdadeiro papel na Criação,
constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, faz com que
desapareçam, naturalmente, todas as distinções estabelecidas entre os homens,
conforme as vantagens corporais e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou
as castas e os estúpidos preconceitos de cor.”
(Revista Espírita, 1861, p. 432.)
Os
privilégios de raças têm sua origem na abstração que os homens geralmente fazem
do princípio espiritual, para considerar apenas o ser material exterior. Da
força ou da fraqueza constitucional de uns, de uma diferença de cor em outros,
do nascimento na opulência ou na miséria, da filiação consangüínea nobre ou
plebéia, concluíram por uma superioridade ou uma inferioridade natural. Foi
sobre este dado, que estabeleceram suas leis sociais e os privilégios de raças.
Deste ponto de vista circunscrito, são conseqüentes consigo mesmos, porquanto,
não considerando senão a vida material, certas classes parecem pertencer, e
realmente pertencem, a raças diferentes. Mas se se tomar seu ponto de vista do
ser espiritual, do ser essencial e progressivo, numa palavra, do Espírito,
preexistente e sobrevivente a tudo cujo corpo não passa de um invólucro
temporário, variando, como a roupa, de forma e de cor; se, além disso, do
estudo dos seres espirituais ressalta a prova de que esses seres são de natureza
e de origem idênticas, que seu destino é o mesmo, que todos partem do mesmo
ponto e tendem para o mesmo objetivo; que a vida corporal não passa de um
incidente, uma das fases da vida do Espírito, necessária ao seu adiantamento
intelectual e moral; que em vista
desse
avanço o Espírito pode sucessivamente revestir envoltórios diversos, nascer em posições
diferentes, chega-se à conseqüência capital da igualdade de natureza e, a partir
daí, à igualdade dos direitos sociais de todas as criaturas humanas e à
abolição dos privilégios de
raças.
Eis o que ensina o Espiritismo. Vós que negais a existência do Espírito para
considerar apenas o homem corporal, a perpetuidade do ser inteligente para só
encarar a vida presente, repudiais o único princípio sobre o qual é fundada,
com razão, a igualdade de direitos que reclamais para vós mesmos e para os
vossos semelhantes.”
(Revista Espírita, 1867, p. 231.)
Com
a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo
Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe
ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos
invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da
mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da
reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio
da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos
direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade.
(A Gênese, cap. I, item 36, p. 42-43. Vide
também Revista Espírita, 1867, p.
373.)
Na
época, Allan Kardec sabia apenas o que vários autores contavam a respeito dos
selvagens africanos, sempre reduzidos ao embrutecimento quase total, quando não
escravizados impiedosamente.
É
baseado nesses informes “científicos” da época que o Codificador repete, com
outras palavras, o que os pesquisadores Europeus descreviam quando de volta das
viagens que faziam à África negra. Todavia, é peremptório ao abordar a questão
do preconceito racial:
Nós
trabalhamos para dar a fé aos que em nada crêem; para espalhar uma crença que
os torna melhores uns para os outros, que lhes ensina a perdoar aos inimigos, a
se olharem como irmãos, sem distinção de raça, casta, seita, cor, opinião
política ou religiosa; numa palavra, uma crença que faz nascer o verdadeiro
sentimento de caridade, de fraternidade e deveres sociais.
(KARDEC,
Allan. Revista Espírita de 1863 – 1a ed. Rio de janeiro: FEB, 2005. –
janeiro de
1863.)
“O
homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças
nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus.
(O Evangelho segundo o Espiritismo,
Cap. XVII, item 3, p. 348.)
É
importante compreender, também, que os textos publicados por Allan Kardec na Revista Espírita tinham por finalidade
submeter à avaliação geral as comunicações recebidas dos Espíritos, bem como
aferir a correspondência desses ensinos com teorias e sistemas de pensamento
vigentes à época. Em Nota ao Capítulo XI, item 43, do livro A Gênese, o Codificador explica essa
metodologia:
Quando,
na Revista Espírita de janeiro
de 1862, publicamos um artigo sobre a interpretação da doutrina dos anjos
decaídos”, apresentamos essa teoria como simples hipótese, sem outra autoridade
afora a de uma opinião pessoal controversível, porque nos faltavam então elementos
bastantes para uma afirmação peremptória. Expusemo-la a título de ensaio, tendo
em vista provocar o exame da questão, decidido, porém, a abandoná-la ou
modificá-la, se fosse preciso. Presentemente, essa teoria já passou pela prova
do controle universal. Não só foi bem aceita pela maioria dos espíritas, como a
mais racional e a mais concorde com a soberana justiça de Deus, mas também foi
confirmada pela generalidade das instruções que os Espíritos deram sobre o
assunto. O mesmo se verificou com a que concerne: à origem da raça adâmica.”
(A Gênese, Cap. XI, item 43, Nota, p. 292.)
Por
fim, urge reconhecer que o escopo principal da Doutrina Espírita reside no
aperfeiçoamento moral do ser humano, motivo pelo qual as indagações e
perquirições científicas e/ou filosóficas ocupam posição secundária, conquanto
importantes, haja vista o seu caráter provisório decorrente do progresso e do aperfeiçoamento
geral. Nesse sentido, é justa a advertência do Codificador:
É
verdade que esta e outras questões se afastam do ponto de vista moral, que é a
meta essencial do Espiritismo. Eis por que seria um equívoco fazê-las objeto de
preocupações constantes. Sabemos, aliás, no que respeita ao princípio das
coisas, que os Espíritos, por não
saberem
tudo, só dizem o que sabem ou que pensam saber. Mas como há pessoas que
poderiam tirar da divergência desses sistemas uma indução contra a unidade do
Espiritismo, precisamente porque são formulados pelos Espíritos, é útil poder
comparar as razões pró e contra, no interesse da própria doutrina, e apoiar no
assentimento da maioria o julgamento que se pode fazer do valor de certas comunicações.”
(Revista Espírita, 1862, p. 38.)
Feitas
essas considerações, é licito concluir que na Doutrina Espírita vigora o mais
absoluto respeito à diversidade humana, cabendo ao espírita o dever de cooperar
para o progresso da Humanidade, exercendo a caridade no seu sentido mais
abrangente (“benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos
outros e perdão das ofensas”), tal como a entendia Jesus, nosso Guia e Modelo,
sem preconceitos de nenhuma espécie: de cor, etnia,
sexo,
crença ou condição econômica, social ou moral.
A Editora FEB
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