Capítulo 10 do Livro Nosso
Lar
No Bosque das Águas*
Dado
o meu interesse crescente pelos processos de alimentação, Lísias convidou:
-
Vamos ao grande reservatório da colônia. Lá observará coisas interessantes. Verá que a água é quase tudo em nossa estância
de transição.
Curiosíssimo,
acompanhei o enfermeiro sem vacilar.
Chegados
a extenso ângulo da praça, o generoso amigo acrescentou:
-
Esperemos o aeróbus5.
Mal
me refazia da surpresa, quando surgiu
grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e
repleto de passageiros. Ao descer até nós, à
maneira de um elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina
conhecida na Terra. Constituída de
material muito flexível, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisíveis, em virtude do grande número de
antenas na tolda. Mais tarde, confirmei minhas suposições, visitando as
grandes oficinas do Serviço de Trânsito e Transporte.
Lísias
não me deu tempo a indagações. Aboletados convenientemente no recinto confortável,
seguimos silenciosos. Experimentava a timidez natural do homem desambientado
entre desconhecidos. A velocidade era
tanta que não permitia fixar os detalhes das construções escalonadas no
extenso percurso. A distância não era pequena, porque só depois de quarenta minutos, incluindo ligeiras paradas de três em
três quilômetros, me convidou Lísias a descer, sorridente e calmo.
Deslumbrou-me
o panorama de belezas sublimes. O
bosque, em floração maravilhosa, embalsamava o vento fresco de inebriante
perfume. Tudo em prodígio de cores e luzes cariciosas. Entre margens
bordadas de gramas viçosas, toda
esmaltada de azulíneas flores, deslizava um rio de grandes proporções. A
corrente rolava tranqüila, mas tão
cristalina que parecia tonalizada em matiz celeste, em vista dos reflexos
do firmamento. Estradas largas cortavam
a verdura da paisagem. Plantadas a
espaços regulares, árvores frondosas ofereciam sombra amiga, à maneira de
pousos deliciosos, na claridade do sol
confortador. Bancos de caprichosos
formatos convidavam ao descanso.
Notando
o meu deslumbramento, Lísias explicou:
-
Estamos no Bosque das Águas. Temos aqui
uma das mais belas regiões do Nosso Lar. Trata-se de um dos locais prediletos para as excursões dos amantes, que
aqui vêm tecer as mais lindas promessas de amor e fidelidade para as
experiências da Terra.
A
observação ensejava considerações interessantes, mas Lísias não deu azo a
perguntas nesse particular. Indicando um
edifício de enormes proporções, esclareceu:
-
Ali é o grande reservatório da colônia.
Todo o volume do Rio Azul, que temos à vista, é absorvido em caixas imensas de
distribuição. As águas que servem a todas as atividades da colônia partem
daqui. Em seguida, reúnem-se novamente, abaixo dos serviços da Regeneração, e
voltam a constituir o rio, que prossegue o curso normal, rumo ao grande oceano
de substâncias invisíveis para a Terra.
Percebendo-me
a indagação íntima, acrescentou:
-
Com efeito, a água aqui tem outra
densidade. Muito mais tênue, pura, quase fluídica.
Notando
as magníficas construções que me fronteavam, interroguei:
-
A que Ministério está afeto o
serviço de distribuição?
-
Imagine – elucidou Lísias – que este é
um dos raros serviços materiais do Ministério da União Divina.
-
Que diz? – perguntei, ignorando como conciliar uma e outra coisa.
O
visitador sorriu e obtemperou prazenteiro:
-
Na Terra quase ninguém cogita seriamente
de conhecer a importância da água. Em Nosso Lar, contudo, outros são os
conhecimentos. Nos círculos religiosos do planeta, ensinam que o Senhor criou
as águas. Ora, é lógico que todo serviço criado precisa de energia e braços
para ser convenientemente mantido. Nesta
cidade espiritual, aprendemos a agradecer ao Pai e aos seus divinos
colaboradores semelhante dádiva. Conhecendo-a mais intimamente, sabemos que a água é veículo dos mais
poderosos para os fluidos de qualquer natureza. Aqui, ela é empregada sobretudo como alimento e remédio. Há repartições no Ministério do Auxílio
absolutamente consagradas à manipulação de água pura, com certos princípios
suscetíveis de serem captados pela luz do Sol e no magnetismo espiritual. Na
maioria das regiões da extensa colônia, o sistema de alimentação tem aí suas
bases. Acontece, porém, que só os
Ministros da União Divina são detentores do maior padrão de Espiritualidade
superior, entre nós, e cabe a eles a magnetização geral das águas do Rio Azul,
a fim de que sirvam a todos os habitantes de Nosso Lar, com a pureza
imprescindível. Fazem eles o serviço inicial de limpeza, e os institutos
realizam trabalhos específicos, no suprimento de substâncias alimentares e
curativas. Quando os diversos fios da corrente se reúnem de novo, no
ponto longínquo, oposto a este bosque, ausenta-se o rio de nossa zona, conduzindo em seu seio nossas qualidades
espirituais.
Eu
estava embevecido com as explicações.
No
planeta – objetei -, jamais recebi elucidações desta natureza.
-
O homem é desatento, há muitos séculos
– tornou Lísias -; o mar equilibra-lhe a moradia planetária, o elemento
aquoso fornece-lhe o corpo físico, a chuva dá-lhe o pão, o rio organiza-lhe a
cidade, a presença da água oferece-lhe a benção do lar e do serviço;
entretanto, ele sempre se julga o absoluto dominador do mundo, esquecendo que é
filho do Altíssimo, antes de qualquer consideração. Virá tempo, contudo, que copiará nossos serviços, encarecendo a
importância dessa dádiva do Senhor. Compreenderá,
então, que a água, como fluido criador, absorve, em cada lar, as
características mentais de seus moradores. A água, no mundo, meu
amigo, não somente carreia os resíduos dos corpos, mas também as expressões
de nossa vida mental. Será nociva nas mãos perversas, útil nas mãos generosas e, quando em movimento, sua corrente não só
espalhará benção de vida, mas constituirá igualmente um veículo da Providência
divina, absorvendo amarguras, ódios e ansiedades dos homens, lavando-lhes a
casa material e purificando-lhes a esfera íntima.
Calou-se
o interlocutor em atitude reverente,
enquanto os meus olhos fixaram a corrente tranqüila a despertar-me sublimes pensamentos.
*= grifos nossos.
5
N.E.: Carro aéreo, que seria na Terra um grande funicular.
Fonte:
Nosso Lar / pelo Espírito André Luiz; [psicografado por] Francisco
Cândido Xavier. – 64 ed. – 6. imp. – Brasília; FEB, 2016. 319 p.