terça-feira, 31 de outubro de 2017

Obsessões e Possessões

Trecho* retirado do Cap. XIV – Os Fluidos, do livro A Gênese, de Allan Kardec


Obsessões e Possessões


45. - Pululam em torno da Terra os maus Espíritos, em conseqüência da inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja desses Espíritos é parte integrante dos flagelos com que a Humanidade se vê a braços neste mundo. A obsessão que é um dos efeitos de semelhante ação, como as enfermidades e todas as atribulações da vida, deve, pois, ser considerada como provação ou expiação e aceita com esse caráter.

Chama-se obsessão à ação persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito diferentes, que vão desde a simples influência moral, sem perceptíveis sinais exteriores, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais.

Ela oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade audiente e psicográfica, traduz-se pela obstinação de um Espírito em querer manifestar-se, com exclusão de qualquer outro.

46 - Assim como as enfermidades resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às perniciosas influências exteriores, a obsessão decorre sempre de uma imperfeição moral, que dá ascendência a um Espírito mau. A uma causa física, opõe-se uma força física; a uma causa moral preciso é se contraponha uma força moral. Para preservá-lo das enfermidades, fortifica-se
o corpo; para garanti-la contra a obsessão, tem-se que fortalecer a alma; donde, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar por se melhorar a si próprio, o que as mais das vezes basta para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de terceiros.

Necessário se torna este socorro, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque nesse caso o paciente não raro perde a vontade e o livre-arbítrio.
Quase sempre a obsessão exprime vingança tomada por um Espírito e cuja origem freqüentemente se encontra nas relações que o obsidiado manteve com o obsessor, em precedente existência. Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que importa desembaraçá-lo. Ora, um fluído mau não pode ser eliminado por outro igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium curador, nos casos de enfermidade, preciso se faz expelir um fluido mau com o auxílio de um fluido melhor.

Nem sempre, porém, basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso se possua o direito de falar com autoridade, que, entretanto, falece a quem não tenha superioridade moral.

Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.

Mas, ainda não é tudo: para assegurar a libertação da vítima, indispensável se torna que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que se faça que o arrependimento desponte nele, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com o objetivo de dar-lhe educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.

O trabalho se torna mais fácil quando o obsidiado, compreendendo a sua situação, para ele concorre com a vontade e a prece. Outro tanto não sucede quando, seduzido pelo Espírito que o domina, se ilude com relação às qualidades deste último e se compraz no erro a que é conduzido, porque, então, longe de a secundar, o obsidiado repele toda assistência.
É o caso da fascinação, infinitamente mais rebelde sempre, do que a mais violenta subjugação. (O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXIII.)

Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso meio de que se dispõe para demover de seus propósitos maléficos o obsessor.


*= grifos nossos


Fonte: KARDEC, Allan. A Gênese. Cap. XIV – Os Fluidos. Tradução de Guillon Ribeiro. 36ª ed. 1944. FEB.

Questão 459 do Livro dos Espíritos

459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?

“Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”


Fonte: KARDEC, Allan. Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 76ª ed. 1944. FEB.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Lutas do médium

Lutas do médium*

Há duas espécies de lutas que um médium trava para que sua luz luza diante dos homens:

uma é a luta que se desenrola em seu próprio íntimo, luta contra si mesmo, para vencer o comodismo, a inércia, a rotina. Para vencer na luta íntima, o médium deverá saber sobrepor-se a seus gostos e a seus caprichos, sacrificando suas vaidades, colocando-se, assim, em todas as oportunidades, a serviço do Altíssimo, em socorro dos necessitados e esclarecimento dos ignorantes.

A outra luta é contra os preconceitos sociais, entre os quais, ordinariamente, está incluída a incompreensão de seus familiares. O médium deverá possuir a força moral necessária para quebrar definitivamente as cadeias que o impedem de exercer o seu medianato.

Lembremo-nos de que a mediunidade bem praticada ainda se assemelha muito ao caminho do Gólgota. E a esse respeito, o generoso instrutor Emmanuel assim se expressa:

A missão mediúnica, se tem os seus percalços e suas lutas dolorosas, é uma das mais belas oportunidades de progresso e de redenção, concedidas por Deus a seus filhos. Sendo luz que brilha na carne, a mediunidade é um atributo do espírito, patrimônio da alma imortal, elemento renovador da posição moral da criatura terrena, enriquecendo todos os seus valores no capítulo da virtude e da inteligência, sempre que se encontre ligada aos princípios evangélicos, na sua trajetória pela face do mundo.”

Portanto, integrados em sua tarefa mediúnica, com amor e constância, concorrendo para a realização de curas, encaminhando espíritos obsessores, combatendo a ignorância espiritual em que se debatem os homens, servindo de instrumentos para a disseminação do Evangelho, os médiuns perfazem obras pelas quais os homens glorificam a Deus.


*= grifos nossos


Fonte:

RIGONATTI, E. Evangelho dos Humildes. 183 p.  

domingo, 29 de outubro de 2017

Defesa de Jesus

Trecho* do livro Há dois mil anos, de Emmanuel, na sua segunda parte, no capítulo IX, que narra diálogo entre Publius Lentulus, senador do Império romano, sua filha Flávia Lentúlia e a serva Ana. Neste trecho há a descrição da Defesa de Jesus por Lívia, espoda do senador...

                                   ( ... )

                                    Corria o ano de 78, na placidez das paisagens formosas da Campânia. Enquanto Tibur representava uma estação de cura e descanso regenerador para os romanos mais ricos, Pompéia era bem a cidade dos romanos mais sadios e mais felizes. Em suas vias públicas encontravam-se, a cada passo, os mármores soberbos e o bom gosto das mais belas construções da capital aristocrática do Império. Em seus templos suntuosos, aglomeravam-se assembleias brilhantes, de patrícios educados e cultos, que se instalavam na linda cidade, povoada de cantores e poetas, ao pé do Vesúvio, e iluminada por um céu de maravilhas, cheio de ridente sol ou bordado de estrelas cintilantes.

                                    Publius Lentulus, agora, sobremaneira apreciava a palavra simples e convincente de Ana, que envelhecera ao lado de Flávia, qual bela figura de marfim antigo. Era de lhe ver o interesse comovido e a sua alegria íntima ao ouvi-la sobre a excelência dos princípios cristãos, quando se entretinham em recordações da Judeia distante.

                                    Nessas amáveis palestras, entre os três, logo após o jantar, discutia-se a figura do Cristo e as sublimadas ilações da sua doutrina, conseguindo o senador, pela força das circunstâncias, meditar melhor os grandiosos postulados do evangelho, ainda fragmentário e quase desconhecido, para ligar os princípios generosos e santos do Cristianismo à personalidade do seu divino fundador.

                                    Longas horas ficavam ali, no terraço amplo, aquelas três criaturas em cujas frontes se vincavam as experiências dos anos, como se as brisas da noite fossem sopros suaves de inspirações celestes, sob a luz branda das estrelas.

                                    Por vezes, Flávia fazia um pouco de musica, que lhe saía da harpa como fulgurante gemido de dor e de saudade, alcançando o coração paterno mergulhado no abismo das reminiscências dolorosas, é que a musica dos cegos é sempre mais espiritualizada e mais pura, porque, na sua arte, fala a alma profundamente, sem as emoções dispersas dos sentidos materiais.

                                    Uma noite, obedecendo ao hábito de muitos anos, vamos encontrar aquelas três criaturas no espaçoso terraço da vila de Pompeia, em doces rememorações.    

                                    Havia mais de sete anos que quase todas as palestras versavam, ali, sobre a personalidade do messias e a excelsa pureza da sua doutrina, observando, antes de tudo, a precisa discrição, porquanto os adeptos do Cristianismo continuavam perseguidos, embora com menos crueldade.

                                    Em todo caso, invariavelmente, a conversação era de enfermos e de velhos, sem provocar o interesse dos amigos mais moços e mais felizes.

                                    Depois de algumas lembranças e comentários de Ana, a respeito da angustiosa tarde do calvário, exclamava o velho senador em tom convencido:

                                    - De mim para comigo, tenho a certeza de que Jesus ficara para sempre no mundo, como o mais elevado símbolo de consolação e fortaleza moral para todos os sofredores e para todos os tristes!...

                                    “Desde os primeiros dias de minha cegueira material procuro, intimamente, compreender-lhe a grandeza e não consigo apreender toda a extensão da sua excelsitude e dos seus ensinos.

                                    “Lembro-me, como se fosse ontem, do crepúsculo formoso em que o vi pela primeira vez, ao longo das margens do Tiberíades...”

                                    - Eu também - murmurou Ana – não consigo olvidar aquelas tardes deliciosas e claras em que todos os servos e sofredores de Cafarnaum nos reuníamos à margem do grande lago, esperando o suave enlevo das suas palavras.

                                    E como se estivesse contemplando o desfile de suas recordações mais queridas, com os olhos da imaginação, a velha serva continuava:

                                    - O Mestre apreciava a companhia de Simão e dos filhos de Zebedeu e, quase sempre, era em uma de suas barcas que Ele vinha, solícito, atender às nossas rogativas...

                                    - O que mais me assombra – dizia Publius Lentulus impressionado – é que Jesus não era, que se soubesse, um doutor da Lei ou sacerdote formado pelas escolas humanas. Sua palavra, entretanto, estava como que ungida de uma graça divina. O olhar sereno e indefinível penetrava o fundo da alma e o sorriso generoso tinha a complacência de quem, possuindo toda a verdade, sabia compreender e perdoar os erros humanos. Seus ensinos, diariamente meditados por mim, nestes últimos anos, são revolucionários e novos, pois arrasam todos os preconceitos e de família, unindo as almas num grande amplexo espiritual de fraternidade e tolerância. A filosofia humana jamais nos disse que os aflitos e pacíficos são bem-aventurados no Céu, entretanto, com as suas lições renovadoras, modificamos o conceito de virtude, que, para o Deus soberano e misericordioso das Alturas, não está no homem mais rico e poderoso do mundo, mas no mais justo e mais puro, embora humilde e pobre.

                                    Sua palavra compassiva e carinhosa espalhou ensinamentos que somente hoje posso compreender, na sombra espessa e triste dos meus sofrimentos...

                                    - Meu pai – perguntou Flávia Lentúlia, extremamente interessada na conversação -, chegaste a ver o Profeta muitas vezes?...   

                                    - Não, filha. Antes do dia nefasto de sua morte infamante na cruz, somente o vi uma vez, ao tempo em que eras pequenina e doente. Isso bastou, contudo, para que eu recebesse, nas suas palavras sublimes, luminosas lições para toda a vida. Só hoje entendo as suas exortações compassivas e carinhosas, compreendendo que a minha existência foi bem uma oportunidade perdida!... Aliás, já naquele tempo, sua profunda palavra me dizia que eu defrontava, no minuto do nosso encontro, o maravilhoso ensejo de todos os meus dias, acrescentando, na sua extraordinária benevolência, que eu poderia aproveitá-lo naquela época ou daí a milênios, sem que me fosse possível apreender o sentido simbólico de suas palavras...

                                    - Todas as concessões de Jesus se esteavam na Verdade santificada e consoladora – acrescentou Ana, agora gozando de toda a intimidade com os seus senhores.

                                    - Sim – exclamou Publius Lentulus, concentrado nas suas reminiscências -, minhas observações pessoais autorizam-me a crer da mesma forma.

                                    “Se eu tivesse aproveitado a exortação de Jesus naquele dia, talvez houvesse alijado mais de metade das provações amargas que a Terra me reservava... Se houvesse buscado compreender sua lição de amor e humildade, teria procurado André de Gioras, pessoalmente, reparando o mal que lhe havia feito, com a prisão do filho ignorante, demonstrando-lhe o meu interesse individual, sem confiar tão somente nos funcionários irresponsáveis que se encontravam a meu serviço... Guiado por esse interesse, teria encontrado Saul facilmente, pois Flamínio Severus seria, em Roma, o confidente dos meus desejos de reparação, evitando dessa maneira a dolorosa tragédia da minha vida paternal.

                                    “Se houvesse entendido bastante a sua caridade, na cura de minha filha, teria conhecido melhor o tesouro espiritual do coração de Lívia, vibrando com o seu espírito na mesma fé, ou caindo juntamente com ela na arena ignominiosa do circo, o que seria suave, em comparação com as lentas agonias do meu destino; teria sido menos vaidoso e mais humano, se lhe houvesse entendido a preceito a lição de fraternidade...”

                                    - Meu pai – exclamava, porém, a filha, de molde a confortar-lhe as agruras do coração -, se Jesus é a sabedoria e a verdade, de qualquer modo ele saberia compreender as razões da vossa atitude, sabendo que fostes forçado pelas circunstâncias a manter esse ou aquele princípio em vossa vida.

                                    - Minha filha, nestes últimos anos – revidou Publius ponderadamente -, tenho a presunção de haver chegado às mais seguras conclusões a respeito dos problemas da dor e do destino...

                                    “Acredito hoje, com a experiência própria que as atividades penosas do mundo me ofertaram, que nós contribuímos, sobretudo, para agravar ou atenuar os rigores da situação espiritual, nas tarefas desta vida. Admitindo, agora, a existência de um Deus Todo-Poderoso, fonte de toda a misericórdia e todo o amor, creio que a sua Lei é a do bem supremo para todas as criaturas. Esse código de solidariedade e de amor deve reger todos os seres e, dentro dos seus dispositivos divinos, a felicidade é o determinismo do Céu para todas as almas. Toda vez que caímos ao longo do caminho, favorecendo o mal ou praticando-o, efetuamos uma intervenção indébita na Lei de Deus, com a nossa liberdade relativa, contraindo uma dívida com o peso dos infortúnios...

                                    “Não me referindo aos meus atos pessoais, que agravaram as minhas angustiosas dores íntimas, e considerando Jesus como medianeiro entre nós e aquele a quem a sua profunda palavra chamava Pai nosso, fico hoje a pensar se não cometi um erro, forçando a sua misericórdia com a minha súplica paternal, a fim de que continuasses a viver neste mundo, para o nosso amor em família, quando eras pequenina!...”

                                    Flávia Lentúlia e Ana, que acompanhavam os raciocínios do senador, desde muitos anos, lhe seguiam as conclusões morais, cheias de surpresa, em face da facilidade íntima com que sabia aliar as lições penosas do seu destino aos princípios pregados pelo Profeta Nazareno.

                                    - Na verdade, meu pai – disse Flávia Lentúlia, depois de longa pausa -, tenho a impressão de que as forças divinas haviam deliberado arrebatar-me do mundo, considerando as dores penosas que me esperavam na estrada escabrosa do meu destino desventurado...

                                    - Sim – ajuntou o senador, cortando-lhe a palavra -, ainda bem que me compreendeste. A vida e o sofrimento nos ensinam a entender melhor o plano das determinações de ordem divina.       

                                    “Antigos iniciados das religiões misteriosas do Egito e da Índia acreditam que voltamos várias vezes à Terra, noutros corpos!...”

                                    Nesse instante, o velho patrício fez uma pausa.

                                    Lembrou-se dos seus antigos sonhos, quando, se vendo com a indumentária de cônsul nos tempos de Catilina, infligia aos inimigos políticos o suplício da cegueira, a ferro incandescente, quando se chamava Publius Lentulus Sura.

                                    Nos seus pensamentos caía como que uma torrente de ilações novas e sublimadas, como se fossem renovadoras inspirações da sabedoria divina.

                                    Depois de alguns instantes, como se o relógio da imaginação houvesse parado alguns minutos, para que o coração pudesse escutar o tropel das lembranças no deserto do seu mundo subjetivo, murmurava, confortado, na posse tardia do roteiro do seu amargurado destino:

                                    - Hoje creio, minha filha, que, se as energias sábias do Céu haviam decidido a tua morte, em pequenina, determinação essa que eu possivelmente contrariei com a minha súplica de pai, descoberta em silêncio pelo Messias de Nazaré no recôndito do meu orgulhoso e infeliz coração, é que deverias ficar livre do cárcere que te prendia, de modo a te preparares melhor para a resignação, para a fortaleza e para os sofrimentos. Certamente, renascerias mais tarde e encontrarias as mesmas circunstâncias e os mesmos inimigos, mas terias um organismo mais forte para resistir aos embates penosos da existência terrestre.

                                    “Reconhecemos hoje, portanto, que há uma lei soberana e misericordiosa a que devemos obedecer, sem interferir no seu mecanismo feito de misericórdia e sabedoria...

                                    “Quanto a mim, que tive organismo resistente e fibra espiritual saturada de energia, sinto que, em outras vidas, procedi mal e cometi crimes nefandos.

                                    “Minha atual existência teria de ser um imenso rosário de infindas amarguras, mas vejo tardiamente que, se houvesse ingressado no caminho do bem, teria resgatado um montão de pecados do pretérito obscuro e delituoso. Agora entendo a lição do Cristo como ensinamento imortal da humildade e do amor, da caridade e do perdão – caminhos seguros para todas as conquistas do espírito, longe dos círculos tenebrosos do sofrimento!

                                    E lembrando o sonho que relatara a Flamínio, nos tempos idos, concluía:

                                    - A expiação não seria necessária no mundo, para burilamento da alma, se compreendêssemos o bem, praticando-o por atos, palavras e pensamentos. Se é verdade que nasci condenado ao suplício da cegueira, em tão trágicas circunstâncias, talvez tivesse evitado a consumação desta prova, se abandonasse o meu orgulho para ser um homem humilde e bom.

                                    “Um gesto de generosidade de minha parte teria modificado as íntimas disposições de André de Gioras, mas a realidade é que, não obstante todos os preciosos alvitres do Alto, continuei com o meu egoísmo, com a minha vaidade e com a minha criminosa impenitência. Agravei, desse modo, meus débitos clamorosos perante a Justiça divina, e não posso esperar magnanimidade dos juízes que me aguardam...”

                                    O velho Publio Lentulus tinha uma lágrima dolorosa no canto dos olhos apagados, mas Ana, que ansiosa lhe escutara a palavra e conceitos, e que se regozijava intimamente verificando que o orgulhoso senhor atingira as mais justas conclusões de ordem evangélica, ilações a que também ela havia chegado nas meditações da velhice, esclarecia, bondosamente, como se as suas afirmativas simples e incisivas chegassem no momento justo para consolação de todos:

                                    - Senador, todas as vossas observações são criteriosas e justas. Essa lei das vidas múltiplas, em favor do nosso aprendizado nas lutas penosas do mundo, eu a aceito plenamente, pois, nas suas divinas lições, Jesus asseverou que “ninguém poderá penetrar o reino dos Céus sem renascer de novo”. Presumo, todavia, apesar da vossa cegueira material e dos vossos padecimentos, que sei compreender em toda a sua angustiosa intensidade, que deveis trazer a alma plena de crença e de esperanças no futuro espiritual, porque também o Cristo nos afiançou que nosso Pai não quer que se perca uma só de suas ovelhas!...

                                    Publius Lentulus sentiu que uma força inexplicável lhe brotava no íntimo, como se fora manancial desconhecido, de estranho conforto, preparando-o para enfrentar dignamente todos os amargores.     

                                    - Sim – murmurou de leve -, sempre Jesus!... Sempre Jesus!... Sem Ele e sem os ensinos de suas palavras que nos enchem de coragem e de fé para alcançar um reino de paz no porvir da alma, não sei bem o que seria das criaturas humanas, agrilhoadas ao cárcere dos sofrimentos terrestres... Sete anos de padecimentos infinitos na soledade dos meus olhos mortos, figuram-se-me sete séculos de aprendizado cruel e doloroso! Somente assim, porém, poderia chegar a entender a lição do Crucificado!

                                    O velho patrício, todavia, ao pronunciar a palavra “crucificado”, reconduziu o pensamento a Jerusalém, na Páscoa do ano 33. Recordou que tivera em mãos o processo do Emissário divino e, só então, ponderou a tremenda responsabilidade em que se vira envolvido naquele dia inolvidável e doloroso, exclamando depois de longa pausa:

                                    - E pensar que, para um Espírito como aquele, não houve sequer um gesto decisivo de defesa, da nossa parte, no angustioso momento da cruz infamante!... A mim, que agora vivo tão somente das minhas recordações amargas, parece-me vê-lo ainda à frente dos meus olhos, com os tristes estigmas da flagelação!...

                                    “Nele, concentrava-se todo o amor supremo do Céu para redenção das misérias da Terra e, entretanto, não vi pessoa alguma trabalhar pela sua liberdade, ou agir efetivamente em seu favor!...”

                                    - Menos alguém... – exclamou Ana inopinadamente.

                                    - Quem chegou a ter esse gesto nobre? – perguntou o velho cego admirado. – Não me constou que alguém o defendesse.

                                    - É porque ignorastes, até hoje, que vossa digna consorte e minha inesquecível benfeitora, atendendo aos nossos rogos, se dirigiu imediatamente a Pôncio Pilatos, tão logo o triste cortejo havia saído da Corte provincial romana, para interceder pelo Messias de Nazaré, injustamente condenado pela multidão enfurecida. Recebida pelo governador no seu gabinete particular, foi em vão que a nobre senhora implorou compaixão e piedade para o divino Mestre.

                                    - Então Lívia chegou a dirigir-se a Pilatos para suplicar por Jesus? – perguntou o senador interessado e perplexo, recordando aquela tarde angustiosa da sua vida e rememorando as calunias de Fúlvia, a respeito da esposa.

                                    - Sim – respondeu a serva -, por Jesus, seu coração magnânimo desprezou todas as convenções e todos os preconceitos, não vacilando em atender às nossas súplicas, tudo fazendo por salvar o Messias da morte infamante!...

                                    Publius Lentulus sentiu, então, grande dificuldade para externar seus pensamentos, com a garganta sufocada de emoção, dentro de suas amargas lembranças, e com olhos mortos, marejados de lágrimas...

                                    Ana, porém, recordava todos os pormenores daquele dia doloroso, relatando suas passadas emoções, enquanto o senador e a filha lhe escutavam a palavra, tomados de pranto no caminho da dor, da gratidão e da saudade.

                                    E era desse modo que, ao fim de cada dia, sob o céu brilhante e perfumado de Pompeia, aquelas três almas se preparavam para as realidades consoladoras da morte, dentro da claridade terna e triste das lições amargas do destino, na esteira das recordações amigas.


*= grifos nossos


Fonte:

Há dois mil anos: episódios da história do cristianismo no século I: romance / pelo Espírito Emmanuel; [psicografado por] Francisco Cândido Xavier. – 49 ed. – 11 imp. – Brasília; FEB, 2017. 349 p.

Prece

Espírito: Auta de Souza
Psicografia: Francisco Cândido Xavier

Prece

Estendei vossa mão bondosa e pura,
Mãe querida dos fracos pecadores,
Aos corações dos pobres sofredores
Mergulhados nos prantos da amargura.

Derramai vossa luz, toda esplendores,
Da imensidade, da radiosa altura,
Da região ditosa da ventura,
Sobre a sombra dos cárceres das dores!

Ó Mãe! excelsa Mãe de anjos celestes,
Mais amor, desse amor que já nos destes,
Queremos nós em cada novo dia;

Vós que mudais em flores os espinhos,
Transformai toda a treva dos caminhos
Em clarões refulgentes de alegria.

Fonte:
Parnaso de além-túmulo: (poesias mediúnicas): [psicografado por] – Francisco Cândido Xavier – 19. Ed. – 2ª reimpressão – Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2010. 704 p.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Diante da multidão

Diante da multidão*

E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte. (Mateus, 5:1)

O procedimento dos homens cultos para com o povo experimentará elevação crescente à medida que o Evangelho se estenda nos corações.

Infelizmente, até agora, raramente a multidão tem encontrado, por parte das grandes personalidades humanas, o tratamento a que faz jus.

Muitos sobem ao monte da autoridade e da fortuna, da inteligência e do poder, mas simplesmente para humilhá-la ou esquecê-la depois.

Sacerdotes inúmeros enriquecem-se de saber e buscam subjugá-la a seu talante.

Políticos astuciosos exploram-lhe as paixões em proveito próprio.

Tiranos disfarçados em condutores envenenam-lhe a alma e arrojam-na ao despenhadeiro da destruição, à maneira dos algozes de rebanho que apartam as reses para o matadouro.

Juízes menos preparados para a dignidade das funções que exercem, confundem-lhe o raciocínio.

Administradores menos escrupulosos arregimentam-lhe as expressões numéricas para a criação de efeitos contrários ao progresso.

Em todos os tempos, vemos o trabalho dos legítimos missionários do bem prejudicado pela ignorância que estabelece perturbações e espantalhos para a massa popular.

Entretanto, para a comunidade dos aprendizes do Evangelho, em qualquer clima da fé, o padrão de Jesus brilha soberano.

Vendo a multidão, o Mestre sobe a um monte e começa a ensinar...

É imprescindível empenhar as nossas energias, a serviço da educação.

Ajudemos o povo a pensar, a crescer e a aprimorar-se.

Auxiliar a todos para que todos se beneficiem e se elevem, tanto quanto nós desejamos melhoria e prosperidade, para nós mesmos, constitui para nós a felicidade real e indiscutível.

Ao leste e ao oeste, ao norte e ao sul da nossa individualidade, movimentam-se milhares de criaturas, em posição inferior à nossa.

Estendamos os braços, alonguemos o coração e irradiemos entendimento, fraternidade e simpatia, ajudando-as sem condições.

Quando o cristão pronuncia as sagradas palavras “Pai Nosso”, está reconhecendo não somente a Paternidade de Deus, mas aceitando também por sua família a humanidade inteira.


*= grifos nossos

Fonte:


Fonte viva / pelo Espírito Emmanuel; [psicografado por] Francisco Cândido Xavier. – 37 ed. – 2 imp. – Brasília; FEB, 2016. 517 p.

Ecologia e Espiritualidade

Segue link para acesso a entrevista de André Trigueiro, autor do livro Espiritismo e Ecologia, ao jornal virtual O Consolador, após palestra no Mednesp 2017...

Vale a pena...

http://www.oconsolador.com.br/ano11/539/entrevista.html


Mednesp 2017

Segue link para acesso ao Mednesp de 2017. Apesar de já ter acontecido, muita coisa boa pode ser acessada lá...

http://www.mednesp2017.org.br/

Todas as pessoas podem ser curadas?

Todas as pessoas podem ser curadas*

É licito busca a cura. Mas não se pode exigi-la, porque dependerá:

a)    Das condições de atração e fixação dos fluidos curadores por quem os irá receber (fé, afinidade fluídica);

b)    Do merecimento ou necessidade espiritual do enfermo.

Quando uma pessoa tem merecimento, ou sua existência precisa continuar, ou as tarefas a seu cargo exigem boa saúde, a cura poderá ocorrer em qualquer tempo e lugar e, até mesmo, sem intermediários (aparentemente, porque ajuda espiritual sempre terá havido).

Mas, às vezes, o bem do doente está em continuar sofrendo aquela dor ou limitação que o reajusta e equilibra espiritualmente; então, pensamos que nossa prece não foi ouvida; mas a prece sempre terá produzido algum beneficio (alívio, conforto, calma, coragem).

A doença é uma terapêutica da alma, dentro do mecanismo da evolução humana. É a filtragem, no corpo, dos efeitos prejudiciais dos desequilíbrios espirituais. Funciona, também, como processo que induz à reflexão e disciplina. Enquanto não produziu seus efeitos benéficos, não deve ser suprimida.


*= grifos nossos



Fonte: FLUIDOS E PASSES (Estudos e Cursos; vol. 4). Therezinha Oliveira. 7. Ed. Campinas, SP. Editora Allan Kardec, 2010. 192 p.